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Crime, pandemia e questões trabalhistas

12 de janeiro de 2021

Natasha do Lago, Gabriel Almeida , Gabriel Cristiano Silva Almeida

Em 11 de março deste ano, a Organização Mundial de Saúde classificou como pandemia a disseminação da doença causada pelo novo coronavírus e, menos de um mês depois, o Ministério da Saúde reconheceu a existência de situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, conforme prevista no Decreto n.º 7.616, de 17 de novembro de 2011.

Além dos graves problemas gerados pela doença, que, segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde, em 10 de junho, já havia causado quase 40.000 mortes[1], medidas trabalhistas extraordinárias adotadas em razão da pandemia merecem ser tratadas com atenção.

Cerca de dois meses atrás, o Poder Executivo editou as Medidas Provisórias n.º 927 e n.º 936, que tratam de ações a serem conduzidas nesse período e dispõem sobre matérias trabalhistas importantes, como a adoção do teletrabalho, a antecipação de férias, a redução proporcional de jornada e a suspensão temporária dos contratos de trabalho.

Todas essas medidas visam impedir a inviabilização econômica de empresas afetadas pela crise e preservar os empregos por elas gerados, mas é preciso observar seus requisitos para não incorrer em crime.

O direito brasileiro pune com pena de detenção de um a dois anos, além de multa, a frustração de direito assegurado pela legislação trabalhista realizada mediante violência ou fraude. Assim, o empregador que manipular, por exemplo,  os registros de horário do empregado durante a pandemia para burlar o cálculo do banco de horas ou registrar a concessão de férias sem concedê-las de fato poderá responder pela prática de crime.

Outra hipótese punida pela lei é a do empregador que constrange o funcionário a trabalhar durante certo período mediante violência ou grave ameaça. O empregador detém o direito de dispensar o empregado, mas, em tempos de pandemia e desemprego acentuado, com milhares de pessoas sendo forçadas à miséria, a ameaça de demissão pode ser entendida como suficiente para caracterizar crime se, por exemplo, o empregador não oferecer condições para o desenvolvimento seguro das atividades e a dispensa for motivada pela recusa do empregado em se submeter a essa situação.

O empregador que exigir o comparecimento do trabalhador ignorando as orientações do Poder Público poderá ainda incorrer no crime de expor a vida ou a saúde de alguém a perigo direto e iminente, punida com pena de detenção de três meses a um ano, que poderá ser aumentada se essa exposição decorrer do transporte de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais.

Todas essas situações transportam dispositivos pouco lembrados do Código Penal para um cenário diferente e devem ser lembradas pelos empregadores ao planejarem suas atividades durante a pandemia, formalizando-se adequadamente eventuais alterações na relação de trabalho e adotando-se as medidas cabíveis para retomar de maneira segura atividades que envolvam contato com o público.

 

* Publicado pelo Estadão em 2.7.2020.